A rua é o berço do Carnaval. Muito antes das marchinhas em salões requintados, onde "gente da sociedade" se transformava em arlequins, pierrôs e colombinas, a folia já corria solta a céu aberto. "Historicamente, Carnaval sempre foi nas ruas. Antes mesmo havia o que era chamado de Entrudo, quando as pessoas saíam para extravasar somente na terça-feira, véspera do início da Quaresma. No início do século 17 já eram vistos mascarados pelas ruas do Brasil", afirma o historiador Milton Teixeira.
Ranchos, cordões, grupos de sociedade ou blocos, não importa a denominação. O princípio é o mesmo: cair na farra junto com amigos e desconhecidos, fantasiados ou não, acompanhando a batucada. No Rio de Janeiro, a primeira marchinha exclusivamente de carnaval surgiu em 1896, composta por Chiquinha Gonzaga para o Cordão Rosas de Ouro, que desfilava no centro da cidade. Até hoje os versos "Rosas de Ouro é quem vai ganhar" acompanham os mais tradicionais. Alguns anos depois, pela década de 1920, a prefeitura já tentava organizar as manifestações e dividiu entre os desfiles de sociedade (elite), ranchos (populares, mas "sociáveis") e os cordões (considerados perigosos e descontrolados).
"A denominação de baile de carnaval foi usada pela primeira vez em 1840, no Hotel Itália, na praça Tiradentes, no Rio de Janeiro. Ali foram introduzidos o confete, a serpentina, a fantasia de clowns, que em seguida ganharam as ruas", conta o historiador.
Antes mesmo de Chiquinha Gonzaga, um português chamado José Nogueira Paredes foi um dos pioneiros na criação dos blocos. Em 1846, no sábado de carnaval, saiu desfilando e tocando o primeiro bumbo pelo centro do Rio. Logo depois, foliões e músicos passaram a segui-lo na abertura da festa . Mas a festa começou a ganhar a forma atual em Ouro Preto, em Minas Gerais, em 1867. Ali nasceu o bloco Zé Pereira dos Lacaios, em alusão aos colegas puxa-sacos que trabalhavam com ele no Palácio do Governo.
Até hoje, a turma segue pelas ladeiras da cidade histórica com os bonecos do Zé Pereira, da Baiana e do Catitão, com dois metros de altura. Junto com o Zé Pereira, mais de dez blocos estudantis, entre outros, fazem o famoso carnaval de Ouro Preto. Na mesma região, Tiradentes e Diamantina também têm festas concorridas.
"Foi a primeira instrumentação do carnaval. Depois criaram a marchinha 'Viva o Zé Pereira', a partir de uma opereta, cantada até hoje", diz Teixeira.
Desde então, os blocos não param de crescer. A maior aglomeração carnavalesca do mundo, segundo o Guiness Book, está em Recife. Com cerca de dois milhões de foliões, o Galo da Madrugada arrasta a multidão no sábado de Carnaval desde 1978, quando foi criado por Enéas Freire. Como diz a letra de Alceu Valença, que escreveu o hino, é nele que tem início o carnaval da cidade. A concentração começa às 7h e só termina às 18h, com o desfile de carros alegóricos, vários trios elétricos, tudo ao som do frevo.
Na vizinha Olinda, o Bacalhau do Batata encerra a folia, na quarta-feira de cinzas, ao meio-dia. Idealizado em 1962 pelo garçom Isaías Pereira da Silva, conhecido como Batata, o bloco era a oportunidade de quem trabalhava nos outros dias, como ele, poder curtir o final da festa. Atualmente, pelas ladeiras da cidade saem mais de 30 blocos estendendo o carnaval.Todos com os característicos bonecos de Olinda.
'Que bloco é esse'
Em Salvador, o carnaval dos trios elétricos tomou proporções gigantescas nos circuitos Campo Grande, da famosa Praça Castro Alves, e Barra/Ondina, na Avenida Beira-Mar. Dos tempos de Dodô Osmar a Chiclete com Banana, a tradição permanece com o mais antigo bloco da cidade, o Ilê Aiyê, primeiro bloco-afro do país, fundado em 1974, que também virou grupo cultural.
Em 1975, na apresentação inaugural, a música "Que bloco é esse", de Paulinho Camafeu deu o tom da festa negra. Introduzindo o ritmo da tradição africana no carnaval baiano, o "Mais belo dos belos" mantém o ritual de pedir passagem e abrir os caminhos na ladeira do Curuzu, no bairro da Liberdade. A regra de aceitar apenas negros no bloco será quebrada este ano e gerou polêmica. No desfile do recém-criado "Eu também sou Ilê", na quinta-feira antes do carnaval, não haverá distinção de cor.
Resistência
"Quem não chora não mama". O quase centenário Cordão da Bola Preta, fundado em 1918, é a prova da resistência a quem anunciou o fim do carnaval de rua no Rio de Janeiro. Desde o princípio, com a proibição da polícia à criação de novos blocos, até recentes mudanças de sede, por ação de despejo, o bloco nunca deixou de abrir a festa ao ar livre no sábado.
Em 2003, virou Patrimônio Cultural do Povo Carioca, e só tem mostrado sua força na última década. Em 2000, 10 mil foliões seguiram o coro "Lugar quente é na cama, ou então no Bola Preta" pela Avenida Rio Branco. Em 2008, a festa contou com um milhão de pessoas, mesmo número do ano passado.
A grandiosidade do Cordão da Bola Preta comprova a retomada do carnaval de rua no Rio de Janeiro. Este ano, segundo a prefeitura, foram autorizados 465 blocos na cidade, sendo a maioria na Zona Sul. Ao todo serão 500 desfiles somente nos quatro dias, e 670 em todo o período, sendo seguidos por 2,5 milhões de pessoas.
Os números também são acompanhados por maior organização do evento. Cadastramentos de ambulantes, campanha para o uso dos banheiros químicos (mais de quatro mil foram espalhados pela cidade), proibição de bebidas em garrafa e mudança de horário e trajeto de alguns blocos e bandas, estão entre as medidas tomadas pela prefeitura.
"O carnaval deste ano já está sendo o mais organizado, isso é fato. Nas semanas anteriores, quando os blocos começaram a sair, vimos que deu certo. Os blocos estão saindo no horário e em menos tempo, o trânsito está fluindo bem, a maioria está usando os banheiros químicos", disse Rita Fernandes, presidente da Liga da Sebastiana, que reúne os 12 mais famosos blocos do Centro, Santa Tereza e Zona Sul.
Democratização
A festa de Momo nas ruas do Rio havia perdido o fôlego, sufocada pela ditadura militar. Com a redemocratização, começou lentamente a recuperar a força. É desse época, de meados dos anos 1980, o Simpatia é Quase Amor, que leva milhares de pessoas para a Praça General Osório, em Ipanema, no domingo, e o Suvaco do Cristo, que desfilou domingo passado no Jardim Botânico, com mais de 40 mil pessoas. No primeiro ano, apenas 200 foliões o acompanharam.
"O carnaval dos blocos recomeçou em 84, com a abertura democrática, com o Simpatia, o Barbas. Em 2000, o fluxo de pessoas aumenta, principalmente dos cariocas da Zona Sul, que tiveram achatamento da renda e passam a ficar no Rio. Junte a isso, o desgaste dos desfiles, a revitalização da Lapa, o samba volta a ter força, os jovens passam a fundar blocos. É um carnaval completo, tem de tudo e é de graça", diz Rita Fernandes.
Com o resgate, antigos blocos, que nunca deixaram de sair, também viram mais e mais foliões atrás deles. Como a famosa Banda de Ipanema, fundada em 1965, que sai duas vezes no carnaval, sábado e terça-feira (baile infantil); o Cacique de Ramos e o Boêmios de Irajá, que são parte da tradição da Zona Norte da cidade, entre outros.
"Antes foi motivação política, hoje é uma questão de brincar nas ruas, com pouco dinheiro e muita alegria. O desfile das escolas ficou para a elite e os turistas. Tanto que os ensaios técnicos, gratuitos, lotam a Sapucaí. O crescimento dos blocos mais antigos ainda ajudou a gerar filhotes saídos de alas, aumentando o número. Lembro que quando saímos pela primeira vez só havia um desfile por dia no fim de semana antes do carnaval. Agora, são inúmeros", conta Henrique Brandão, diretor do bloco Simpatia é Quase Amor.
Além dos antigos, surgiram fenômenos como o Monobloco, completando uma década neste ano. Apesar da juventude, a mistura de ritmos de Pedro Luis e Cia já levou multidões em Ipanema, em Copacabana, e agora na Avenida Rio Branco. Parte imprescindível do calendário, o bloco faz as honras de encerrar o carnaval carioca no domingo seguinte, dia 21, a partir das 8h, na Avenida Rio Branco. Como bem preconizou Nelson Sargento, "o samba agoniza, mas não morre".
Por Tatiana Furtado, especial para o Yahoo! Brasil
Do Rio de Janeiro
sábado, 13 de fevereiro de 2010
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